quarta-feira, 20 de junho de 2012

Referência da boemia cultural, "bar dos cartunistas" está deixando o viaduto da Borges de Medeiros


O dono perdeu o imóvel porque deixou de pagar condomínio quando, nos anos 1990, sofreu um acidente de carro e permaneceu em coma durante várias semanas

Foto: Edgar Vasques / Reprodução

Por Daniel Feix - Zero Hora


É o fim.

Do jeito que o conhecemos, o Tutti Giorni, identificado como "o bar dos cartunistas", mas também um grande ponto de encontro de músicos, artistas e escritores, todas as terças-feiras na Capital, acaba nesta semana.

Ernani Marchioretto, o Nani do Tutti, até ameaçou se acorrentar à frente do bar, na terça, num protesto contra a decisão judicial que minou a muvuca no viaduto da Borges de Medeiros, no centro da cidade. Coisa que quem o conhece sabe que ele não vai fazer: resignado, Nani procura outro espaço para o Tutti, e já está "quase acertado" com um imóvel na Rua dos Andradas.

– Estou triste porque não há mais o que fazer, mas continuo tendo razão para estar indignado – protesta.

Hoje o único proprietário, Nani perdeu o imóvel porque deixou de pagar condomínio quando, nos anos 1990, sofreu um acidente de carro e permaneceu em coma durante várias semanas. Sem conseguir renegociar a dívida, seu advogado ainda alegou que há jurisprudência para o não pagamento da taxa em casos de pontos comerciais com entrada externa no edifício, caso do Tutti.

– Não uso portaria, luz, nada dos espaços comuns do prédio – ressalta Nani.

Não adiantou. O local foi a leilão e, depois de 23 anos funcionando num dos mais belos cartões-postais da Capital, o Tutti vai se mudar. Talvez ainda abra na semana que vem – a data da entrega do imóvel é o próximo dia 2. Talvez, segundo o dono. A despedida é nesta terça.

– Isso é o reflexo da pobreza do nosso pensamento sobre a cidade – define o artista gráfico Rodrigo Rosa. – Toda a extensão do viaduto da Borges deveria estar repleta de bares e vida social. Deveria ser um lugar vivo, e não marginalizado.

Rodrigo é de uma geração posterior, mas está integrado ao grupo de cartunistas que fez do Tutti um ponto concorridíssimo às terças. Em outros dias, nem é frequente ver o bar aberto à noite – concebido inicialmente por Nani e seu ex-sócio, o fotógrafo de ZH Emílio Pedroso, para ser um espaço restrito, capaz de reunir jornalistas, humoristas, artistas e outros conhecidos da dupla, o Tutti segue servindo almoço de segundas a sextas e funcionando às quintas e às sextas-feiras à noite apenas esporadicamente. Santiago, Edgar Vasques, Bier e até Iotti – "O gringo criou o nome Tutti Giorni e até frequentava o bar antes de se tornar milionário", brinca Nani –, é que decidiram bater ponto no local todas as terças, o que levou o espaço a ser conhecido ainda hoje como "o bar dos cartunistas".

– Faço um trabalho social – diz o proprietário, agora falando sério. – O carreteiro aqui custa R$ 1,99. Saem 70 pratos por almoço. À noite, graças ao Tutti é seguro subir as escadarias do viaduto. O problema é o barulho? Fechamos à meia-noite, e a bebida acaba antes disso.

Nani tem 48 anos. É visível o desgaste que o processo provocou nele. Desde o início do imbróglio, nem aparece à noite no bar. Quem segura as pontas é o artista plástico Guilherme Moojen, 33 anos e cujo perfil no Facebook, até pouco tempo atrás, indicava um "relacionamento sério" com... o Tutti Giorni, o que dá uma ideia de sua dedicação ao bar.

– O Tutti é uma dessas contradições que, surpreendentemente, dão certo – afirma Edgar Vasques. – Porque foi fundado com duas intenções quase excludentes: o Emílio Pedroso pensava num bar para o happy hour dos colegas, e o Nani queria apenas servir almoço, a "vianda", aos moradores do Centro. Em duas décadas, no entanto, o bar nunca deixou de cumprir ambos os objetivos.






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